29 agosto 2009

Solstício




Em rasgos de sedução já traído,
por si mesmo ausente de tudo,
permanentemente e perdido,
de atenções e pretensões
saciado e banido,
por abstratas sentenças
debatia-se,
naquela tarde,
tal qual o cordeiro
a ser decapitado.
Era final de longa tarde de domingo.
Era um pombo.
Era outubro e chovia.
Fagulhas de aço e átomos de titânio
encobriam
a velha escrivaninha,
resplandeciam absolutos sob a luz de um sol insípido.
Alguém preparou o chá de alecrim.
Outro adornou com flores amarelas
o velho
por inteiro.
Trouxeram biscoitos amanteigados.
Perfumaram o ambiente com patchouli,
sete incensos e sete velas foram acesos.
Uma linda morena dançava
nua
ardendo esvoaçantes cabelos negros
sobre o tapete
da sala
em penumbra.
Não houve mais um dia
como aquela tarde
em que chovia.
Apenas um relâmpago testemunhou
de súbito
a lágrima efêmera.
A lágrima fria que teimava
naqueles olhos
em sobressalto,
não rolando
naquele rosto apático
mas umedecendo
as escaras
da face decrépita.
Por fim veio a noite sem sono,
estéril,
trazendo consigo
o vento indiscreto que leu as cortinas.
Que bateu portas.
Que saiu por tudo
incólume e lascivo.
O triste casarão...
Vieram as almas dos mortos sem fim,
vieram de táxi,
juntas.
Vieram os sons inescutáveis,
os gemidos impuros.
Inescrupulosos vieram os sonhos e seus sabores de outrora,
os temas,
os vícios,
a fome e a barra da aurora.
Era então uma clara manhã indesejada.
E todos,
absortos,
marcavam calendários.
Um dia solitário e úmido e desabitado.
Um dia raro qualquer.
Um dia apenas,
por ora e por fora,
amargo, louco e sereno.

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