28 setembro 2009

20 setembro 2009

Solitário e Final




Sim, nós compartilhamos bons papos
e caminhadas e pizzas e o mar
nos envolveu
e trouxe alguma alegria
a nossos corpos molhados.
Mas a alma pedia,
implorava um ar menos pesado
naquela ocasião.
Foi assim durante a sessão de cinema,
entre o cálido beijo do mocinho na mocinha
depois da prisão do bandido,
na penumbra da sala,
quase no fim entre eu e você por um triz.
A dificuldade no olhar embotado,
aquela estrela brilhante de xerife,
o sorriso morno e a pipoca fria.
Não me contive e gritei um grito de encantar.
Você sorria e então as luzes foram acesas.
Acabou-se em segundos a magia e levantamos.
Nos perfilamos lado a lado,
nos tínhamos encoleirados,
ambos soltos,
Bichos soltos.
Nos pusemos prá fora e prá fora andamos
embora,
assim contentes,
voltássemos a ser quem fomos
um dia
antes de nascer.

*



por tanto iludir, teu realismo pasmo
e te espanta meu encanto, ficas perdida
e como seguir ao mesmo entusiasmo
se a esperança pouca quer perdida

ao que indiferença seja teu desejo
e por teu segredo, reavivo e inspiro
a esperança, e ao dizer o que almejo
meu maior grito é ainda um suspiro

e se sobra do silêncio, estar perto
meu passo não vai em tua direção
vão os passos contra o pensamento?
ou não possa um segredo ter ação?

e se sobra em segredo, olhar pra ti
ver teus olhos me contentem o peito
e se os teus seguem por outra parte
me instiga o que pensas ao teu jeito

Atéia prece



Escrevendo sentimentos
dou a mim o que me falta!
Pois por trás da fria pauta,
acontece alguns eventos...
Como quem contando os ventos
chega a cem e reconhece
que o vento não se tece
pelo que pode contar,
faço então, do poetar
minha terna e atéia prece!


Iluminada



Que gosto é esse que fica em minha boca
Quando sei de tua intimidade?
Que prazer é esse que me sacode inteira
Quando sou sugada por sua boca quente?

Vou em êxtase para o fundo de tua cama.
Abro minhas portas para recebê-lo
Entrego-me até desfibrilar meu coração.

É nesse céu de nuvens que me encontro,
Num remanso calmo que torna tempestade.
Chove em minhas coxas uma água salgada.
Roças seu dorso liso em meu ventre afoito
E sou consumida desmaiando em ti,
Toda iluminada


16 setembro 2009

HOMEM PENSANTE




Quase nunca ia até a janela
O risco de ser livre era grande
Jamais se deitava pensando nela
Ficava mudo para não ser falante

Não se olhava no espelho do quarto
Não tomava banho com medo de se afogar
Vivia dizendo que não nasceu de um parto
E tinha sido um pássaro que lhe ensinou a falar

Todos estavam errados menos ele próprio
Só ele sabia a maneira certa de andar
Fraquejar era seu brinquedo nobre
Jogava dia e noite com o seu "amar"

Buscava na alma todas as perguntas
Passeava sempre dentro do próprio lar
Via animais e pessoas sempre ocultas
Sabia que o mundo inteiro não era o lugar que ele deveria estar.

"POR DENTRO DA MÚSICA"



Por dentro da música
morrem os violinos
num etéreo suícidio
dos dedos e da alma,

morrem as canções
desesperadas
numa trágica ópera
sem contralto nem tenor,

Por dentro da música
morre a poesia e morre o tempo
do tempo de te cantar amor,

Por dentro da música
morre o eco da minha voz
num palco vazio
sem rosas nem aplausos


Noções



Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.

Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.

Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.

Virei-me sobre minha própria experiência, e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.

Ó meu Deus, isto é que é alma:
qualquer coisa que flutua por este corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera...

13 setembro 2009

Nosso Futuro


Andei formulando um sentido,
Criei uma imagem num mapa.
Representei seu enquadramento
Num lugar em minha vida.

Desordenaram-se as linhas
O caminho foi apagado.

Um véu de emanações tardias
Enrolou-se nas coisas ditas.
Mostrando-me, enfim,
A tênue linha que nos prendia.

Nossa vida singular era delírio,
Não passava de invenção,
De um plano imponderável
Escrito na minha mão.

Contido nas linhas escritas,
Foi incapaz de suportar
Travessia infinita
Alcançar outro lugar.

Nosso futuro ficou sem rumo,
Ficou solto, em algum lugar
De meu plano escrito.

Horas Mortas


Ali sentado de onde estava só
a rua resplandecia.
Havia luzes tão gastas e mariposas
sobrevoavam as mesas.
Uma névoa fina e transparente era cortina.
Tudo molhado, sublime, todos.
Os postes sérios, gelados,
parafusados ao solo
apoiavam namorados,
testemunhavam beijos,
encantados.
Sussurros, miados, latidos safados,
Quentes bebidas por parcos trocados.



10 setembro 2009

TORMENTOS



Trago comigo a rosa
Onde quer que esteja
Rosa bendita seja
Momentos, indecorosa
Entre tudo que vagueia
Nunca noite, sempre cheia
Trago comigo a rosa
Onde sei que procurais
Suma rosa morre prosa

09 setembro 2009

Parapeito


Vi passando
meu calado poema,
triste e findo poema oblíquo,
poema entristecido e findo,
meu triste poema conciso.

Poema das poucas portas,
das breves horas,
serenas,
debruçado equidistante
nos peitoris sem moldura
das vastas janelas
de outrora.



[]


A única coisa de que preciso agora
É a carícia de uma mão quente
Que escorregue pelo meu corpo como água
Ou como um lençol, me abrace
E que servisse para mim como um entorpecente paralizante
Para todas as minhas frustrações e fracassos
Dores e deslizes por mim cometidos

Sentidos


Me expondo dessa forma,
Preciso de mais remédio
Como as palavras carinhosas
Ditas por um amante ou amigo
Cúmplice ou cônjuge
Mulher ou marido
Que pudessem acalentar meu pranto,
Com um lenço enxugar minhas lágrimas
E com um beijo, pudessem curar meus soluços.



**


Amigos somos
Como de outros carnavais
Das tarde de fantasia
Gravuras de risos,
Dois palhaços no meio do salão,
Abraçados pulando
A nossa rima de pele,
A nossa loucura de samba,
Até o dia raiar...
Até nossos olhares partirem...
Cada um em seu rumo,
Seus tropeços intermináveis,
Seus passos irregulares,
Suas casas distantes,
Ainda sentiam...
O sabor da purpurina,
O beijo na varanda,
As promessas do infinito,
A tarde caia...
No silêncio da rua,
Na fotografia guardada,
Nas lembranças estampadas,
Nas faces solitárias...
O tempo não desbotou,
Nossos cabelos rebeldes,
O velho blues na vitrola,
O nosso mar de aquarela,
Nossas mãos abraçadas ao vento...
De longe ainda lhe sinto,
Como se nunca tivesse partido,
Como se o antes nem existisse,
Como de outros carnavais,
Amigos apenas,
Amigos simplesmente...

O teu sorriso, por favor




Por favor, me dê um sorriso
É tudo que lhe peço
Todo dia meu coração é um regresso
Dores, de amores possessos

Please, give me a smile
A only smile
I will bring the stars of the sky
The blue on the sea
Into your eyes

Resplandessa como a aurora
Não diga amores de outrora
Nem mesmo grite o que queria
Queira querer
E tu em mim vai ver
Uma face sorrindo, desigual
Mas sorrindo

Diga que voltarás a noite
Dançando valsas
Bailando em terrenos baldios

Vamos, desça, salte dai
Me dê as mãos
Vamos errar juntos o mesmo caminho...


07 setembro 2009

CHAGALL


Seguir o traço seguir o querer
a insistência e o ser
ate ao vórtice das origens.

Eixo ou seixo
desenhado na fronte dourada
de um ocaso.

Rasto ou aurora boreal
num luminoso quadro
de Chagall.

03 setembro 2009

*


Deixe-me...
Num tardar qualquer,
Neste improviso providencial,
Num ponto sem ponto,
Entre a loucura e o precipício,
Viro-me do avesso, acho-me talvez ...
Deixe-me...
Neste rumo abstrato,
Pelas margens do sem fim,
Vagando aleatório,
Nos confins da solidão,
Por certo algum eu, ainda haverei de achar...
Deixe-me....
Pelos tropeços da incerteza,
Quando ainda em sonho lhe imaginava,
Nos paraísos de meus passos,
A florir meus caminhos,
Sem conhecer o lado triste da ilusão...
Deixe-me...
Por fim neste bar de poucas luzes,
Embriagar meus sentidos confusos,
Tentando rever onde lhe perdi,
Ou simplesmente inventando,
Um jeito de viver sem você,
Ou somente deixando tudo assim,
Numa metáfora do destino,
Deixe-me...
Por instantes ainda senti-la,
Guardar no íntimo teu perfume,
Lembrar teu gosto especial,
Teus paradigmas essenciais,
Tuas virtudes plurais,
Deixa-me...
Por sempre tuas saudades,
Sem elas meu viver se esvai,
Torno-me oco de arrepio,
Um mero objeto sem sentido...


Safa


Carpe o chão que te encerra,
corre agora prá dentro
de casa,
assim como o gato,
se isole.
Faça sempre
o que te pedem,
te mandam,
doutrinam,
viva em tempos de esmola.
Coma a sobra
do que que esnoba
o pão.
Banhe o corpo em copos d'água,
transpire como transpira
um peão.
Seja o lixo que ejacula.
O lixo das gentes, das mentes, do chão.
O cativeirao e a fúria,
a força da ignorância
que predomina
e que rima
com o combustível
invisível,
com a seiva que vaza
dos cortes
nos corpos
dos delatores de plantão.
Faça agora o que te ensinaram nas cruzes,
nas mazelas,
nos átrios,
com o rabo entre as pernas,
com as mãos.
Faça com a boca traidora,
com a língua, o pulmão.
Seja o trapo
que sujo e sedento
pelos altos
é acenado
em adeus.
Assim
vindo do prelo,
modorrento,
morra e desperte,
qual cisne,
morra novamente,
enrijeça,
apodreça em azul.
Faça de conta que eu nem sei o que sabes que eu sei,
mas nada comente,
não!
Simplesmente faça
e suma, desapareça!

"AMOR PARADOXAL"



Vai amor
é preciso que partas.

Quero sentir bem
a dor da tua ausência
e a solidão
da minha nudez desabitada.

Vai!
Deixa-me só neste caminho de rosas e de espinhos.

Quando voltares, Se voltares...

tuas mãos desenharão no meu corpo
tresloucadas rosas de desejo
e as nossas bocas
morder-se-ão
em beijos desesperados
como se fosse a última vez.

Por isso quero que me deixes
para poder te amar
como se a vida fosse acabar
no momento em que,
insaciáveis,
nos possuiremos
como se fosse a primeira vez.

Circunscrições


Na praça lá do bairro,
o mundo cabe dentro.

Um menino soltando pipas
e um outro cheirando cola.

Jogo de bola, bebum no banco
Um casal no barranco, amor.

A praça do bairro
é a praça da vida
- aquela que eu não via
nos meus sonhos de criança:

O mundo dentro da praça,
a praça dentro de mim
e eu dentro do nada.


01 setembro 2009

Domador de Dores


Desconfio do estranho
domador dos corcéis dos meus cabelos
nas rédeas dos meus ímpetos
encanta a dor das serpentes
proveu no cantil o veneno da getula
o bálsamo de mim e dos reis
desse jorro de sangue perolizado.

O domador
lapidou a bruta alma
em centenas de centelhas de diamantes.

A fúria
domou a dor
brotando da lama o lótus.



Desertou no meu corpo
que suplicava o néctar à minha cura.

Foi-se distante como o vento
que prendi nas vestes
e o engaiolei nas grades de bronze
dos porões inóspitos
do meu órgão pulsante
seivando quente as veias do estranho
que domou a dor
de todos os meus medos.

Jangadeira





Já no recomeço partiu-se em mim
uma palavra,
desfez-se a nuvem de fumaça
e olhei para ti,
sem pensar,
por vários motivos.
Já sabíamos que a jangada
e o vento e as correntes do mar
nos aguardavam.
Iríamos,
formatos múltiplos,
navegar.
Por aqueles dias,
entre noites de espanto
avançaríamos,
Por ondas, por vagas,
imensos cardumes
e corais.
O sal,
o tempero,
o novelo
deste nosso estranho desejo
de morte
e de amar.


Adonis K. 77