31 agosto 2009

Face a Face __________________________________ 77



O verso se
libertou da carga
ungindo-se de tinta
em pleno inverno
e se vestiu de zêlo
só pra buscar no céu a lua
e enfrentar o dragão de São Jorge.
Com alforge de caçador
e reluzente metralhadora
arremessou pingos de liz
e vozes de anis
entre linhas...

E o verso conseguiu!
A lua está aí.
Pudera!
Foi tanto ratatatá-tatá-tá
que o dragão fugiu
assim que viu a metralhadora.


29 agosto 2009

Dois lados da esquina **






Até a esquina eu te levei
E foi lá que te deixei
Boba, apaixonada, febril

Mil beijos beijados
Naquela esquina, estalados
Se enlaçaram humanos aconchegados

Eu olhava o que estava por vir
Sabia o que viera antes
A união de pernas, de braços...

Você tinha uma ingenuidade quase infantil
Como não querer algo assim?
Pois me dava raiva...

Pois como! Como, meu deus, roubar algo
Trocar carícias
Se o mundo me pertence
E se o amor descontrói certos tipos de liberdade...

Pois como! Como, meu deus, desejar fortemente
Unicamente por isto
Sua cara de malícia
Que nem sabe o que é malícia...

Contentei-me com um café que tinha lá do lado
Comprei um capuccino expresso
Paguei, fui embora
Como um beijo no rosto e uma piscadinha me despedi
ELa sorriu e nem percebeu...

Naquela esquina
Aonde tantas gurias já tiveram em seus braços
Quantas disseram: Ah, se amar é isso! Então eu te amo mais da conta!
Ah, gostar! Gostar!

Comunhão de corpos indo de encontro a
E se perdendo na escuridão das ruas...

Lembrei de batizar o capuccino
E de ter muita dor de barriga a noite...
Só assim não pensaria em ti

Sim, eu estava literalmente cagando para o amor
E você de noite penteando os lindos cachos louros...

Ah, se a gente soubesse




Palavra por palavra
Um ato
Desmancha e distrai
É fato

Tapa por tapa
Me dê um abraço
Triste assim

Eu não tinha palavras
Não escrevi
Eu não tinha nada a dizer
Não disse

Amar a gente ama
E como ama
Pegue minha mão, vamos por aí
Por onde?

Eu ainda não sei...

Viajor



Vou por trechos encachoeirados
sem setas indicativas,
por picadas encobertas
pelas folhagens da vida.
Incertos vãos, frestas, brechas, fendas.
Feridas.
Orifícios de paixão e suor e ganidos.
Miseráveis absurdos de mentes funestas.
Cortes profundos,
acelerados passos,
sangrias,
moribundos.
Se peco ou se perco
a noção
do momento obtuso,
regresso por tanto temer
este pouco de escuro.
Se chove ou se venta ou se tento
alçar vôos noturnos,
o mêdo,
esta algema,
este trema,
me prende a este solo inconcluso.
E assim vou vivendo
entre homens complexos,
gemendo umas dores que nem doem mais.
Sou vésper,
estrela matutina.
Sou creme, sou preto, sou âmbar,
sózinho e acompanhado,
água turva,
barrenta,
opaca,
que nada em mim cristalina ou desata.


*




eu tento guardar, dentro de mim
um sonho que ainda, não fora sonhado!
um sonho assim, que eu peguei emprestado
de um tempo exilado do agora medonho!

neste sonho, tão bem desenhado
por linhas que ainda, não posso entender,
existe uma vida, um carinho, um cuidado,
um sol acanhado esperando nascer!

eu crio então, por horas aflitas,
dimensões infinitas no meu próprio divã!
quimeras guerreiras, faceiras, bonitas,
quando que enfim, serão primavera?

Mim-to




As palavras mentem o que o cérebro quer esconder
O cérebro mente o que o coração quer dizer
A mão mente o que o desejo quer fazer
O gracejo mente o que acolho de seu ser
O olho não mente
Somente espera
Desespera
E o bocejo mente uma lágrima sincera

" D O R "






Dóiem
meus pulsos de tuas algemas,

Dói-me a voz de tua mordaça,

Dói-me a alma de tua saudade,

Dói-me a vida de tua ausência,

Dóiem-me as mãos de tanta carência!



Imprecisa



Camaleões, caleidoscópios, eclipses.
Espécies de miragem, de enganos precisos.
O camaleão que surgiu do nada foi você.
Veio como um eclipse em pleno verão
para não dizer nada.
Até então atônito hoje percebo
seu formato no caleidoscópio:
Formato impreciso, volume parco.


Solstício




Em rasgos de sedução já traído,
por si mesmo ausente de tudo,
permanentemente e perdido,
de atenções e pretensões
saciado e banido,
por abstratas sentenças
debatia-se,
naquela tarde,
tal qual o cordeiro
a ser decapitado.
Era final de longa tarde de domingo.
Era um pombo.
Era outubro e chovia.
Fagulhas de aço e átomos de titânio
encobriam
a velha escrivaninha,
resplandeciam absolutos sob a luz de um sol insípido.
Alguém preparou o chá de alecrim.
Outro adornou com flores amarelas
o velho
por inteiro.
Trouxeram biscoitos amanteigados.
Perfumaram o ambiente com patchouli,
sete incensos e sete velas foram acesos.
Uma linda morena dançava
nua
ardendo esvoaçantes cabelos negros
sobre o tapete
da sala
em penumbra.
Não houve mais um dia
como aquela tarde
em que chovia.
Apenas um relâmpago testemunhou
de súbito
a lágrima efêmera.
A lágrima fria que teimava
naqueles olhos
em sobressalto,
não rolando
naquele rosto apático
mas umedecendo
as escaras
da face decrépita.
Por fim veio a noite sem sono,
estéril,
trazendo consigo
o vento indiscreto que leu as cortinas.
Que bateu portas.
Que saiu por tudo
incólume e lascivo.
O triste casarão...
Vieram as almas dos mortos sem fim,
vieram de táxi,
juntas.
Vieram os sons inescutáveis,
os gemidos impuros.
Inescrupulosos vieram os sonhos e seus sabores de outrora,
os temas,
os vícios,
a fome e a barra da aurora.
Era então uma clara manhã indesejada.
E todos,
absortos,
marcavam calendários.
Um dia solitário e úmido e desabitado.
Um dia raro qualquer.
Um dia apenas,
por ora e por fora,
amargo, louco e sereno.





Possuo um olhar,
Que vê o belo,
No horizonte podre,
Que o mundo se fez...
O outrora já não existe mais,
Pequenos fragmentos talvez,
Somos modernos, tecnológicos,
É a era dos chips, da minúscula memória,
Que cabe um universo todo,
A engrenagem enfim está no comando,
Você existe somente num programa,
Perdemos o glamour da pele...
Sucumbimos a nossa própria esperteza,
Somos meros marionetes do sistema,
Frio gelado insensível,
Todos se conhecem mas nunca se viram,
Mando-te flores pelo computador,
Posso ser tudo, mesmo sendo um mero nada,
Digo-lhe palavras bonitas copiadas,
Sorrimos bestialmente para uma imagem apática,
Nossos sonhos viraram imagens virtuais,
Saudades dos tempos das cartas,
Do olhar quase despercebido de sua chegada,
Das caminhadas pela avenida no pôr do sol,
Das pegadas na areia ao luar,
De conversar em silêncio,
De sorrir o viver...

22 agosto 2009

Angústia bestial



Meus olhos rústicos espiralam nas grutas das órbitas
Procurando endoidecidos a si mesmos
Entre os minerais rochosos e brutos das paredes
Encarcerados pela limitação rupestre do orbicular

Esperam por um esguicho morno de sangue
Um psicotrópico que flua calmante e entorpeça
Que cerre as cortinas em descanso profundo

Mas sua esperança não faz além de bombear
Impulsivamente, compulsivamente, impossivelmente
Labaredas de adrenalina,
Como fagulhas corpusculares de uma erupção
Que reacendem, excitam fibra por fibra
Um furor animalesco que clama por mais dor
Espargindo saliva por toda a carne
Estremecendo ruídos com laceração gutural
Consumindo-se
Por este ópio cáustico que corre em minhas veias
Cozinhando as células de dentro para fora.

21 agosto 2009

Preces ao luar




Durante a madrugada
Abrem-se as janelas
E o vento que sopra é frio
Como as palavras que lanço ao céu

Palavras que arranco à força
E sangram docemente
Pela minha boca
Até serem fisgadas pelas estrelas
E tremerem em soluços

Eu cravo as unhas na palma da mão
Dilacero espírito e corpo
Para entoar monótona canção
Um pedido
Com medo de não ser entendido
Que irá destroçar o coração

Relógios da Sala




Certa tarde vasculhando gavetas
empoeiradas
encontrei tua foto amarelada e sadia.
Olhamo-nos distantes.
Éramos outros seres e os amores saciados.
Aflito até certo ponto
com tua imobilidade
estremeci atônito,
Mas te deixei comigo,
entre a mão e o coração.

Tive coragem durante a borrasca,
Sorrias.
Era um tempo de bobagens e estávamos perto
de uma ponte,
faríamos a travessia entre nuvens sonhadas
e desgostos azuis.

Fechei suavemente a gaveta que rangia.
Meus ossos rangiam, meu ser.
Sentei-me na poltrona calada do quarto tardio,
nenhuma luz e o pequeno gato pardo
olhava em meus olhos.
Miava por pão.
Um livro entreaberto costurava sentenças.
Um ser de outro mundo soprou em meu ouvido
aturdido
pedindo licença.

Cobrindo a cabeça da ponte
eu fui
em minha memória de traças,
bebendo da água da fonte
que jorra e que para,
estagnando diante da única lareira,
Cobri-me.
Era tarde, então.
Silenciosos estavam os relógios da sala.

16 agosto 2009

Ângelus



Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.

Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepúsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.

Nest'hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mágoa me invade,

Quisera ser o som, ser a noite, ébria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda

Francisca Júlia

Francisca Júlia, considerada a maior poetisa da língua portuguesa em seu tempo, foi a mais fiel representante do Parnasianismo no Brasil, a única que conseguiu atingir o respeito à forma e a impassibilidade exigidos pelo movimento: a arte pela arte. Criadora de versos perfeitos, sua obra, parnasiana no início da carreira, ao final da vida volta-se à poesia simbólica e mística. Seus sonetos estão entre os mais perfeitos da língua portuguesa.
.

**noiTe**






Canto sempre uma rima avulsa...qualquer..
Vôo para lá da solidão...
Que meu canto encontrará,
Uma voz desconhecida chorando,
Alguém que entenda,
O riso frágil da loucura,
De estar neste mundo cheio de gente,
De não estar em lugar nenhum...
Vago por ai procurando algo...qualquer...
Que me faça perceber,
A brutal incógnita de meu chorar,
O real cenário de minha controvérsia,
Só encontro nada,
Pequenas migalhas de luz,
Imensos corredores vazios...
E uma placa anunciando:
Vendo sonhos a prestação...
Compro uma dúzias de rosas...brancas,
Visto meu palito de domingo,
Dou uma rosa para cada meretriz,
Elas sorriem e me abraçam,
Bebemos até cairmos,
Adormeço no meio-fio da rua,
Sonho um sonho...qualquer...

EVEREST




Escalo a montanha da razão
Almejo o cume da situação
Busco um jeito de vencer
Este Everest que é você

Se nem sempre me entreguei o bastante
Se por um instante não lhe dei atenção
Me perdoe, nos dê mais uma chance
Vamos sair dessa solidão

Escalo a montanha do vencer
Almejo o cume que é você
Busco dar um jeito na situação
Este Everest de razão

Se nem sempre me entreguei de atenção
Se por um instante não lhe dei o bastante
Me perdoe dessa solidão
Vamos sair, nos dê mais uma chance

Escalo a montanha da situação
Almejo o cume da razão
Busco um jeito que é você
Este Everest de atenção

Lembrança de viver




Às vezes,
É preciso fechar os olhos
E sentir o ar, mesmo que poluído
Inundar nossos pulmões

O sangue, mesmo que infectado
Deslizar por nossas veias
Durante o corpo todo

As lágrimas, mesmo que dolorosas
Consolarem a pele com mimos
Cócegas e arrepios gelados

A comida, mesmo que asquerosa
Descer pela garganta
E garantir mais alguns dias de vida

O coração bater
O cérebro sentir
O corpo fluir
Como uma sinfonia de máquinas

E tudo sem perguntas
Sem rodeios
Sem desperdícios...

Às vezes,
É preciso procurar por nós mesmos
E juntar forças
Para nos lembrarmos que ainda estamos aqui
Carregando caminhos únicos
E um punhado de células
Que não serão mais nossas amanhã...



Anti-natural



Vagando pelas negritudes cinzas
Entre fumaças e neblinas
Sombras de espirros e tosses
Fantasmas de gargalhadas e prantos
Ecos de luzes em movimento eterno
Corpos caminhando seus destinos pela calçada
Um correndo atrasado para o casamento de alguém
Outro dormindo na sarjeta
Dividindo a água empoçada com os cães esqueléticos
Alguém vendendo frutas na esquina
Alguém sem vontade de viver
Outro alguém comemorando o novo celular

Perambulando nesse formigueiro
Podemos sentar no asfalto
E sonhar
Com uma enorme floresta
Repleta de ursos, pássaros, leões e elefantes
Sensações calmantes de natureza
Cachoeiras invertidas
E qualquer outra coisa mirabolante
Que a imaginação possa criar



Augusto

14 agosto 2009

+




Ela te beijou o rosto
E foi embora
Passararam outras
E lhe beijaram a boca
Ela acenava e dizia:
- Adeus, lindo!
Ele pedia para ficar mais...

Ela ia
E chegava o momento em que
A escuridão escondia as suas sombras
Ele beijava as outras
Mas já se iluminava por certo alguém...

*




Os outros...
Nada lhe dizem,
Pouco dizem,
Tanto faz...
Suas idéias nascem,
Florescem numa manhã qualquer,
Inconscientemente perambulam por ai,
Você sorri ao chegar da tarde,
Ninguém entende,
Ninguém percebe,
Ninguém se importa,
No crepúsculo você se embriaga,
Chora algumas lágrimas ocasionais,
Procura um amor esporádico,
Sem ternura, apenas passageiro,
Sente saudades dos tempos,
Revive dias de glória,
Dança uma sinfonia imaginária,
Pensam que você é um louco,
Danem-se os outros,
Era somente você
Encontrando incógnitas,
E seus amanheceres tardios...

"PALAVRAS IRREVERENTES"




Vens
como um delírio vermelho
que me rouba as palavras
e a matriz da verdade
num rumor de cadeias

Como se não me fosse
consentido
o revoltado grito
e a irreverência das palavras

Repetem-se os gestos rotinados
e o nácar nas bocas alheias
alucinadas em seus espelhos
tecidos de monotonia

Quisera reinventar-te, poesia
com o sangue das rosas vermelhas
e o profundo rumor da alegria



09 agosto 2009

Altas Horas



Vai fazer frio na madrugada
Abraço forte o travesseiro
Furtei das lembranças uma invenção
Lembrei do amor que nos unia
Lembrei que inventei essa ilusão

Vai chover forte nos meus terrenos
Terrenos cardiacos com terra fofa
Ali foi plantado recentemente
Uma daquelas sementes onde brota paixão

Choveu e fez frio em altas horas
O travesseiro ja está todo molhado
Não da chuva
Mas das lágrimas de um homem solitário

Sobraram ideias morfeticas do mundo
A vida me deu uma chance e vacilei
Na estrada do amor eu derrapei
E fui parar no acostamento

Acho que o resgate demora para chegar.


Acha que é verdade




Viver indigestamente
É ser inteiro
Viver digesto
É ser o contrário
Quantas coisas você realmente suporta?
Mas de suportar mesmo...
Talvez nenhuma
E diz que doi tanto, mas tanto...
A mentira é mais gostosa
Doi menos
A verdade doi mais
E é poética

Se assuma logo porra...




Descaminho, caminho e pseudo-caminho




Nesse teu descaminho,
Eu caminho
Nesse teu desvio,
Eu me guio

Nesta sua curva
Com minha vista turva
Não há porque se preocupar
Dois desvairados
Também são felizes
Podem se adestrar

Mas minto
Faço-me por iludida
Para que um iludido
Não se sinta viúvo

Na verdade,
Eu minto outra vez
Quem tento socorrer
Sou eu mesma
Que finjo ter olho
E te finjo de cego










Não me diga mais suas verdades plenas,
Já não suporto mais o peso de tuas palavras,
Preciso respirar, pare o carro, pare tudo...
Duas crianças brincavam na varanda,
Inocentemente com suas bonecas coloridas,
Por vezes reprimiam as bonecas,
E sorriam com olhares cúmplices...
Você não percebe que o céu escureceu,
E já não sabemos mais onde pisar,
Cadê a luz do sol daquele verão apaixonado?
Por onde estão as folhas do nosso outono
De tantos encontros casuais?
O inverno chegara...
O vento frio varria os becos,
No canto, largadas, esquecidas, as bonecas...
Uma estava sem os braços...
A outra repetia a gravação: mamãe, mamãe...
Até que a morte nos separe, na tristeza, na alegria...
Há há há...
Não me venha com hipocrisias,
Você tem por ai uma dose de ilusão barata?
Meu amor eu não tenho mais nada,
Nem trocados possuo,
Você me tirou tudo,
Até meus sonhos você se apropriou...
As crianças dormiam em leito esplêndido,
Na sala vazia alguns papéis espalhados,
Estavam amarelados pelo tempo,
Continham inícios de poesias...
Em todos a palavra amor aparecia...
Amor, amor, amor...

07 agosto 2009

Brisa



O sol
Não nos diz o que fazer
E a lua
Não irá reclamar
Se olharmos por mais algum instante

Se o deles continua,
É o nosso tempo que para
E espera
Quando estamos a pensar,
Sonhando acordados.

Algo que vem e vai
Como um sopro de vento fresco
Sempre deixando saudoso desejo incômodo,
Inexplicável,
Na pele


Tempo transpassado



Minha água escoa,
Sonolentamente,
Por um ralo de vidro,
Roçando seus sedimentos
Enquanto o tinge suave
Pelas lambidas mornas do tempo

A água que foi,
Foi-se.
Posso apenas observá-la
Através da camada vítrea no chão

Mas não serão as mesmas águas
O vidro terá novas cores
Outros tons...

Algo que foi passado
Mas agora é outro presente

Caem em cascata,
Guiadas por brisas úmidas,
Novas gotas
Com as quais pincelarei
Meu poço de histórias
Lembranças talvez...
- Se os sentimentos ainda fossem os mesmos


Augusto

nova-Mente




As normalidades
Convenientemente são renomeadas
Para facilidades
Conforme são criadas novas
Dificuldades

Novo cheiro
Novo embrulho
A mesma droga de sempre
Servida em um prato de porcelana

Leuqar



Roubei uma conversa quando estávamos a sós entre muitos
Armei meu bote, como que se fosse um estrategista
Quebrei meus sentimentos carnais naquela noite
Um sentimento amador apareceu
Eu fiquei confuso, louco
Labios rosados me deixaram apaixonado

Eu nem pude me defender de teu encanto

Foi assim, precipitado
Como sempre me apaixono.

Marinha




O barco é negro sobre o azul.
Sobre o azul os peixes são negros.
Desenham malhas negras as redes, sobre o azul.

Sobre o azul, os peixes são negros.
Negras são as vozes dos pescadores,
atirando-se palavras no azul.

É o último azul do mar e do céu.
A noite já vem, dos lados de Burma,
toda negra, molhada de azul:

- a noite que chega também do mar.


02 agosto 2009

Azul




Meu azul é bebê
É marinho, escurecido, manchado como uma múmia enfaixada de bolores
É a transparência vítrea das lágrimas que não refletem nada
Apenas gritos de origens e sensações profusas, com significados únicos evaporando
Em um turbilhão
De muitos azuis diferentes zanzando pelas paredes de fumaça se chocando em
Explosões
Êxtase sinestésico, paranóico, diluviano, jorrando luzes como uma cascata
Fogos de artifício de aquarela desbotando e resbotando aromas entorpecentes, macios, hipnotizando alguma parte do corpo que não sei qual
Tudo flui rebolando pelo ar sensualmente como suco de sucuri

Meu azul é o céu
Do dia, da noite, da esperança e da queda, da desilusão
É a aura, por mim mística, da lua
É os sussurros que se rastejam pela neve
Cochichando enigmas sem se preocupar em resolvê-los
Amontoando flocos de vidas e vapores desconexos
Despencando miragens que parecem trincar o chão e levar, avalanchando, todos os dias
Que se esvaem como fantasmas
E ficam como fantasmas
Querendo resolver assuntos pendentes

Meu azul é pálido como um esqueleto
E quente e vivo como um grito do sol dentro da água do mar
Ricocheteando nos peixes algas moluscos mamíferos micro e macro vidas que valsam pelo ar líquido, caótica
E graciosamente

Meu azul se engole e se vomita
Morre e nasce periodicamente
Com o estrondo imaginário do Big Bang
Meu azul é água que incendeia
É sorriso que desespera
É um suspiro que berra
Meu azul é preto vermelho branco rosa amarelo verde marrom
Todos de uma só vez
E sem contraste,
Somente nuances leves de uma mesma pincelada...
Em diferentes focos diferentes visões
Meu azul transcende a si mesmo.

Amor Bem Tosco





Mil rosas soltas em seu berço
Espinhos soltos em meu peito
Coração chora controversas
Amaldiçoa sua sorte
Não vê a hora, mas teme a morte


Chuvisca forte em minha alma
Sem previsão de sol em tempos
A umidade ja enferrujou
As engrenagens de minha coragem


Jardins serenos sem serenata
Chamusca forte sem fogo algum
Apenas morre a cada instante
Sem sua ajuda, amor nenhum

Meus sonhos cravados em minha testa
Tudo tão irrelevante
Marcado em baixo relevo
Está dificil de decifrar

Sorri azedo para o espelho
Chinguei de morto o meu reflexo
Que me mandou ir ao inferno
E recompor-me deste amor

Foi só mais um
Como tantos outros
Amor sem fundo
Amor bem tosco


No fado de sua canção



Todas as suas cativantes palavras
Assim que chegam como se não chegam
E falam coisas que ninguém diz
Essas doçuras de aprendiz plena
E plenitude do nada
Ilumina um sábado
Põe fim na aurora de uma sexta

Toda essa sua prosa
Toda essa sua poética
Toda essa capacidade de falar
Ilumina com cores negras de destruição
A minha magnólia dialética

Dessa sua boca
Meio mundos passam
Meio mundos se perdem

Dessa sua boca
Um copo meu cai
E se fundem os cacos da minha individualidade
Para formar uma coisa só
Uma coisa perfeita

Desse imenso vasto mundo
Aonde nunca iremos conhecer
Que estrada nos mostra o amanhecer?
Que imensidão revela tão devasso prazer?

Dessa luz que chega
E ilumina e nos faz cantar
E cantamos sem cantar
E vivemos sem viver
E sorrimos sem sorrir
E somos nunca sendo
Firme e forte
Para si mesmos...

Interpretação




Interpretar:
Sair de mim mesma
Viver outras vidas ou quem sabe
Descobrir quem sou
Representando a mim mesma
E já fazendo arte sem saber
Interpretar:
Inventar quem sou
E descobrir quem são,
Através de minhas interpretações
Beber-se a si mesmo sem sede
É a vida

Lua Implacável




Vem, Lua das minhas delícias!
Meu grito flutua na boca desse céu
Sem limites.
Meu coração bate apressado
Maquinado pela força dominadora
De meu gozo oceânico.

Essa sensação urgente de maré cheia,
Que vai se espalhando,
Pelos terminais de dois corpos
Caminha sob ondas tensas,
Para uma praia escaldante.

Flutuamos sob ondas de espumas.
Perdidos na tormenta das delícias.
Lençóis de algas embaraçam
Nossas vidas,
Numa dança tempestiva de carícias.

Sobrevivemos nessa ancoragem louca,
A essa Lua implacável de delícias,
Que fica escondida bem no fundo,
No horizonte perdido de uma concha.

Meu Medo




O medo que tenho
É de nunca me apagar,
Medo do começo,
De nunca poder parar.

Medo da chegada hostil,
Da flor que evapora.
Do perfume que fica
E que não vai embora.

O medo que tenho
É da lembrança infinda,
É de estar para sempre
Como alma perdida.

E quem ganha afinal ?


Em todas as esquinas
Existem vencedores e perdedores
E aquelas que pegaram o bonde
E aqueles que o deixaram passar por estarem chorando

Em cada rua tosca
Há essas pessoas que ganham da gente
E que perdem da gente
Nessa luta incessante
De ser ou não ser por qualquer coisa

Em cada fábrica
Há aqueles que estagnaram na linha de produção
Que na hora de por as tampas nos copos
Pensaram na beleza dos copos
Ou como é subjetivo esse negócio de tampa
De passar ou não passar o ar

Em cada briga por balas
Por ideias, por pessoas
Há aquelas pessoas que não quiseram brigar
E perderam
E aquelas que foram até o fim
E mesmo perdendo
Não se acham como tal
Pois perder é tão subjetivo
Fomos até o final ou não pomos os fins nos meios...

Em cada rachadura de sua face
Por cortes e cicatrizes
Estavam as suas unhas na minha pele
A sua emoção
A sua raiva
A sua decepção ante o mundo
O nosso porre das emoções que nos fazem ganhar
E perder e ganhar
Ganhar ou perder nesse não vasto mundo
Tão vasto

Já passamos do ponto disto
E voamos para as estrelas e voltamos
E dissemos loucuras para um astronauta
E visitamos o sideral de seus olhos
Encostados nos meus
Numa noite em que nunca me esqueço
Mais que vivo a querer esquecer
Que nunca me esqueço

Fomos a outro nível
Invadimos cidades
Distribuimos panfletos
Brigamos e perdemos
Amamos quase sem querer
E quase sem querer se foi
E deixou uns rastros
De vitórias e derrotas
De vencedores com suas batatas
E perdedores com suas armas de ferro

Tudo que as pessoas disseram
E continuam dizendo
E a humanidade se repete incessantemente
Nos causa tédio

Ganham ou perdem
Prosperam na inercia de querer mais
Ou morrem na inércia de ter pouco e querer mais ainda
Se adivinham em lugares que não há
E vivem num eterno retorno ao que nunca foram

Não
A esses dias
Vencemos e perdemos
E nos importamos tanto
Mas tanto com o mundo
Que perdemos dele
E vencemos com a mesma moeda
E da vitória
Não nos importamos
Deixamos pra lá...



01 agosto 2009

Painel noturno




É cinza de dia
É cinza de noite
Ah! Mas de noite temos as luzes
Brilhos como que mágicos, fosforescentes
Borbulhando pelos ares de nossa cidade
Indo e vindo, tilintando cores ofuscantes
Clareando, seduzindo, iluminando, produzindo
Faíscas e fagulhas místicas, hipnotizantes
Que oscilam fanatsmagoricamente como um sopro
Um feixe
Um jato repentino de partículas iluminadas extravasando energia
Elétrons e prótons colidindo em nuvens de combustão, se consumindo
Sumindo na atmosfera palpitante
Frenética, arquejante
Da metrópole

Poeiras estelares que sobem todas as noites
Embalando cores doloridas e atraentes
Sugadas pela própria unanimidade
Confusas em tanta organização
Receosas com tantas opções
Sem certezas
Se esvaem sombriamente
E afinal,
Sucumbem à luz da Lua.