29 abril 2009

Travessia



Calaboca não fale mais nada,
eu preciso sumir ou torcer
pra não cair demais e correr
pela rua até sangrar o peito
todo
porque eu te amo,
sem necessidade.
Não tenho vontade, não tenho saudade.
Nada do que você disser vai me convencer
de que nada do que você disser
durante ou depois ou nada mais
vai me levar a crer que te amo.
São palavras complicadas e não sou eu
complicando palavras que não dizem nada.
É o absurdo,
o contratempo de existir entre o entulho,
fagulhas e fragmentos.
O ledo engano que vem,
pragmático,
o trauma, o sono.
Calaboca desta vez não fale mais nada portanto.
Me arranque daqui, do teu jeito.
Pode ser.
Solte este nó que me prende ao leito.
Quero água. Água da fonte,
atravessar a ponte
como qualquer sujeito.


Adonis K.

26 abril 2009

Saudades


Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
eu sinto saudades...

Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,
de pessoas com quem não mais falei ou cruzei...

Sinto saudades da minha infância,
do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro,
do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser...

Sinto saudades do presente,
que não aproveitei de todo,
lembrando do passado
e apostando no futuro...

Sinto saudades do futuro,
que se idealizado,
provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser...

Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei!
De quem disse que viria
e nem apareceu;
de quem apareceu correndo,
sem me conhecer direito,
de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer.

Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito!
Daqueles que não tiveram
como me dizer adeus;
de gente que passou na calçada contrária da minha vida
e que só enxerguei de vislumbre!

Sinto saudades de coisas que tive
e de outras que não tivemas quis muito ter!

Sinto saudades de coisas
que nem sei se existiram.

Sinto saudades de coisas sérias,
de coisas hilariantes,
de casos, de experiências...

Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia
e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer!

Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar!

Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar,

Sinto saudades das coisas que vivi
e das que deixei passar,
sem curtir na totalidade.

Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que...
não sei onde...
para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi...

Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês...
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.

Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,
espontaneamente quando
estamos desesperados...
para contar dinheiro... fazer amor...
declarar sentimentos fortes...
seja lá em que lugar do mundo estejamos.

Eu acredito que um simples
"I miss you"
ou seja lá
como possamos traduzir saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.

Talvez não exprima corretamente
a imensa falta
que sentimos de coisas
ou pessoas queridas.

E é por isso que eu tenho mais saudades...

Porque encontrei uma palavra
para usar todas as vezes
em que sinto este aperto no peito,
meio nostálgico, meio gostoso,
mas que funciona melhor
do que um sinal vital
quando se quer falar de vida
e de sentimentos.

Ela é a prova inequívoca
de que somos sensíveis!
De que amamos muito
o que tivemos
e lamentamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência...




Clarice Lispector

25 abril 2009

Eu Juro




Que não te amo mais
todo mundo sabe,
saiu ontem nas ondas do rádio.

Que tenho dormido bem,
nem sei com quem,
que não viajo mais.

Que meu cão morreu
de colapso
e eu quase fui junto,
assim, de veneta.

Que acabou a emoção de assistir ao teu show.

(é mentira)
Que acabou a grana,
a gana,
o sonho acabou.

Gasolina na reserva,
eis o estágio,
O tempo.
Na reserva de um círculo tendencioso,
Oculto.

Que soube de tudo depois que as portas foram fechadas
todo mundo sabe,
houve previsões.
Luzes apagadas...
Houve um aborto.

Que não bebo mais um gole
sózinho,
que rasurei o mapa da mina,
que venci os degraus da peste
todo mundo sabe,mas ninguém viu.

Nosso mundo, querida,
partiu.
Eu fui de trem,
batendo dormentes.
Você de navio.


Adonis k